quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A garota da Uniban

Por Daniel Pinheiro

No dia 29 de outubro de 2005 uma aluna da faculdade Uniban compareceu à sua aula com um vestido provocante. O fato é que uma grande quantidade de alunos foi flagrada dirigindo-se à ela como “prostituta”, entre outras coisas.

Muito se escreveu sobre o caso, por muita gente. Tanto o vídeo do fato (feito na hora com a câmera de aparelhos de telefone celular) quanto toda a repercussão da mídia e os artigos escritos a respeito podem ser encontrados na Internet.

Muito provavelmente o que ocasionou tudo isso foi a tentativa de fazer uma brincadeira (de mau gosto). Quando aqueles alunos gritavam “prostituta” não estavam censurando a aluna por usar mini-saia. Quem poderia imaginar que centenas de alunos, criados e educados em uma sociedade extremamente sexualizada como a nossa – que valoriza e vê tudo que é sensual com a maior naturalidade – poderiam de repente virar moralistas tão pertinazes? Parece que muita gente seria capaz de crer numa história de fada como essas, a julgar por muitos comentários em blogs, no You Tube e pelo que ouvi eu mesmo de pessoas próximas:

“Isso só tem uma explicação: Eles são um bando de gays, de frouxos...” (referindo-se aos alunos da Uniban).

É óbvio que eles não viraram moralistas ou homossexuais de uma hora para outra. O que houve foi uma brincadeira que foi crescendo e tomou proporções mais sérias. É interessante perceber como apupos voltados para a sensualidade da aluna sejam confundidos com agressões. Uma outra aluna da Uniban falou para um grande portal de notícias:

“Foi só zoeira...”

Ouvi ainda uma pessoa conhecida minha dizer:

“Mesmo se ela estivesse nua, era para os homens respeitarem”.

Essa frase está certa. João Paulo II, na Teologia do Corpo, tenta vislumbrar um pouco a nossa experiência original. No paraíso, antes da queda do pecado original, Adão e Eva estavam nus, e não havia a vergonha da nudez. “O homem e sua mulher estavam nus, mas não se envergonhavam.” (Gênesis 2, 25). A vergonha não existia, pois não havia pecado. O olhar de Adão para Eva (e vice-versa) era um olhar apenas de amor. Não havia a malícia (desejo desordenado, querer apenas usar o outro). É difícil para nós imaginar como seria isso, porque na nossa experiência não estamos nunca 100% livres da malícia. Mas antes do pecado original isso era possível.

Imagine Adão e Eva olhando para o corpo nu um do outro, e isso trazer aos seus corações apenas o amor e a “imagem e semelhança de Deus”, segundo a qual foram criados. O corpo humano foi criado originalmente por Deus para ser “Imago Dei”, imagem de Deus. Nesse sentido, ele é “sacramento”, no sentido mais amplo da palavra, que significa “sinal visível da presença de Deus”.

Porém, nas circunstâncias da Uniban, e em qualquer circunstância atual, a exigência de pureza por parte do olhar masculino não exime a mulher do recato e da modéstia que ela deve ter para com o próprio corpo, e isso em beneficio dela própria. De fato, depois que a malícia passou a fazer parte do olhar humano, depois da queda do paraíso e da entrada do pecado original no mundo, a vergonha que nos faz cobrir nossos corpos tem dois sentidos. Primeiro, é um atestado do lado negativo de nossa vergonha (literalmente: “é uma vergonha mesmo”). A necessidade de cobrir nosso corpo atesta que não temos mais o olhar puro. Cobrimo-nos porque temos medo do olhar do outro: já temos certeza que não será um olhar de puro amor, mas conterá malícia e desejo de “possuir” o corpo do outro como objeto. A pessoa deixa de ser sujeito para ser instrumento de prazer alheio.

Mas há um sentido positivo na entrada em cena da vergonha. Ela mostra que mantemos nossa integridade, o senso de que nosso corpo faz parte de quem somos, e que portanto não pode ser visto com malícia, nem servir de instrumento para uso do outro. Por isso nos vestimos. E devemos continuar nos vestindo com muito recato e modéstia no nosso mundo, enquanto vivermos no estado decaído, enquanto não chega a ressurreição e o reino definitivo de Deus. Vestindo-nos, estamos dizendo que ainda reconhecemos nossa dignidade: não fomos feitos para a malícia, mas para o amor do outro. Eis porque o casamento não é mero “passe” para permissão de todo tipo de luxúria e desejo desordenado. Pelo contrário, deve ser um retorno à condição original de amor total: amo tanto essa pessoa, e sou tão amado por ela, que confio que seu olhar será só de amor, e não de posse egoísta. Isso permite e torna santa tanto minha nudez frente ao cônjuge, quanto a conseqüente relação sexual que consuma a união sacramental do matrimônio.

Mas, voltando à garota da Uniban, veja como é curioso. Acharam que os alunos eram uma espécie de moralistas. Essas duas frases abaixo saíram da mesma pessoa, uma atrás da outra:

“Isso só tem uma explicação, eles são todos gays mesmo, ou estavam com inveja do corpo dela. Se ela estivesse completamente nua, mesmo assim ninguém podia ter feito o que fez”.

Veja só: Essa pessoa pede corretamente a pureza no olhar masculino, dizendo que ninguém podia ter feito aquilo (portanto todos estariam desejando ansiosamente vê-la quase nua). Mas, ao mesmo tempo, ironiza o suposto moralismo deles, dizendo que “são todos gays”, ou seja, não sentiriam o menor desejo por ela. Ou ainda hipócritas, no fundo desejando, mas no exterior condenado. Afinal de contas, eles estavam desejando-a ou não?

Essa aparente contradição é sintomática da mentalidade que já vi muitas vezes em muitos lugares. As pessoas querem ser desejadas, e para isso se vestem e se comportam de todo tipo de maneira. Ao mesmo tempo, querem ser olhadas com pureza, reclamam quando alguém “dá um assovio” etc. Para algumas pessoas, levar assovio de alguém ainda vai. Mas levar assovio de centenas de pessoas é inaceitável, pois evidencia demais, se torna ameaça.

Essa dicotomia não é sequer percebida por quase ninguém. Imagine uma garota em qualquer faculdade sendo desejada e “buscada” ao mesmo tempo por centenas de rapazes. Seria outro caso Uniban. Só isso. O que era cortejo vira agressão. Mas o que é preciso perceber é que qualquer olhar impuro a uma mulher já é uma agressão à sua dignidade. Isso só ficou óbvio no caso da Uniban pelas proporções numéricas, mas continua sendo verdade em cada caso singular, pessoa a pessoa. Quando se veste de modo provocante, toda mulher está atraindo a si possíveis olhares impuros, que nada mais estarão fazendo do que agredir a própria dignidade dela mesma. É certo que homem nenhum deve olhar com impureza, mesmo sendo provocado a isso. “Ora, eu vos digo: todo aquele que olhar para uma mulher com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mateus 5, 28).

Por outro lado, é verdade que as mulheres é que saem perdendo em sua dignidade logo de cara ao se vestirem como a aluna da Uniban. Só que isso não é percebido por quase ninguém. Pelo contrário, o fato ocasionou um protesto na mesma faculdade. Alguns alunos ficaram completamente despidos, reclamando o direito de se vestirem (ou não) de qualquer forma. Uma verdadeira inversão das coisas, baseada numa interpretação errônea, supondo um moralismo por parte dos alunos, o que não existiu no caso. Corretamente compreendido, tudo isso devia evidenciar somente a necessidade e o nosso desejo mais profundo por recato e modéstia, e pela pureza do olhar...

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