terça-feira, 15 de setembro de 2009

O sentido pleno da castidade

Por Karol Wojtila

Vamos agora esclarecer o problema da castidade na sua totalidade. (...) O homem não quer reconhecer o grande valor com que a castidade contribui para o amor humano, quando se recusa a reconhecer a plena e objetiva verdade sobre o amor entre mulher e homem, substituindo-a pela ficção subjetiva. Quando aceitar esta verdade objetiva sobre o amor na sua totalidade, então também a castidade mostrará o seu pleno valor, revelando-se um grande fator da vida humana, um indício principal da “cultura da pessoa”, que por sua vez constitui a raiz essencial de toda a cultura humana.

Não é possível compreender o pleno sentido da virtude da castidade se não se compreende o amor como função de relacionamento pessoal, como função orientadora da união das pessoas. (...) Só as manifestações psicológicas não bastam. O amor só chega ao amadurecimento psicológico quando possui um valor ético, quando chega a ser a virtude do amor. Somente no amor transformado em virtude realizam-se as exigências objetivas da norma personalista, que exige precisamente que a pessoa seja “amada”, e rejeita que a pessoa seja “usada”. (...) Às vezes chama-se “manifestação do amor” ou simplesmente “amor” àquilo que, após o aprofundado exame crítico, não demonstra a verdadeira realidade ética do “amor”. Pois, apesar das aparências, não é mais que uma forma de “usar” a pessoa. (...)

A castidade não pode ser compreendida sem a virtude do amor. A tarefa da castidade é libertar o amor da atitude utilitarista. (...) A atitude utilitarista é tanto mais perigosa quanto mais se esconde na vontade. O “amor pecaminoso” é chamado com muita frequência não “pecaminoso”, mas simplesmente “amor”. Tenta-se impor (a si mesmo e aos outros) a convicção que é realmente assim e que não pode ser de outra maneira. Ser casto significa relacionar-se de maneira “transparente” com a pessoa de outro sexo. A castidade equivale a deixar “transparecer” o interior. (...) Na realidade o amor não será amor até que o desejo de “uso” (prazer) não estiver subordinado à disposição de “amar” em qualquer situação.

Esta atitude “transparente” para com as pessoas de outro sexo não pode consistir num recalque artificial dos valores do corpo (em particular do valor sexual) no subconsciente ou numa visão de aparente racionalização como se eles não existissem ou não atuassem. Com muita frequência, a castidade é concebida como um freio “cego” da sensualidade e dos impulsos carnais que reprime subconscientemente os valores corporais e sexuais, até que, dada a oportunidade, explodem. Tal compreensão da virtude da castidade é evidentemente errônea. Se ela é vivida dessa maneira cria, na verdade, o perigo de tais “explosões”. Tal concepção da essência da castidade faz com que muita gente pense a respeito da castidade de maneira tão negativa. A castidade é apresentada como “negação”, quando na verdade é “afirmação”. A incompreensão do processo correto da virtude da castidade consiste em “não” destacar a afirmação do valor da pessoa e enaltecer só os valores sexuais, que, dominando a vontade, deformam todo o relacionamento com a pessoa de outro sexo. A essência da castidade consiste precisamente em “destacar” em cada situação o valor da pessoa e tomá-lo como referencial para “avaliar” as reações perante o valor do “corpo e sexo”. Isso exige um sério esforço interior e espiritual. A afirmação do valor da pessoa só pode ser fruto do espírito. Esse esforço, longe de ser negativo e aniquilador, é altamente positivo e inteiramente criativo. Não se trata de “destruir” os valores do “corpo e sexo”, reprimindo as suas vivências inconscientemente, mas de integrá-los duradoura e permanentemente. O valor do “corpo e sexo” deve estar fundamentado no valor da pessoa.
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Trecho do livro: “Amor e Responsabilidade”, de Karol Wojtyla (Papa João Paulo II). São Paulo: Ed. Loyola, 1982.

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